A solidão pode ser classificada em física, mental e espiritual. A primeira consiste em simplesmente retirar-se para uma floresta ou lugar deserto e não contar com a presença de pessoas. A segunda, no fato de não se poder levar em conta a presença dos amigos e familiares no próprio ambiente, ou até mesmo um estranho, para compartilhar um sofrimento, uma dor pessoal. A pessoa sente-se sozinha. A solidão espiritual é normalmente buscada por pessoas que procuram uma espiritualidade mais elevada, tais como monges e eremitas. Interessante é que nas tradições de muitos povos constam vários procedimentos de cautela com relação a pessoas que ficaram isoladas durante algum tempo. Qual seria a razão? (VON FRANZ, 1985, p. 194).
Ocorre que, no dia a dia, as pessoas usam sua energia (a libido) disponível em suas relações com o meio ambiente. Na solidão essa energia, uma vez não empregada, é represada internamente e ativa o inconsciente, reforçando-o. A solidão pode fazer com que o indivíduo tenha seu inconsciente ativado, o que pode ocasionar a possessão por forças nocivas, ou encontre uma realização interior maior. Entretanto, mesmo neste último caso, a tendência é que, de início, haja sempre uma espécie de “possessão pelo mal”. Os que procuravam a santidade no passado inicialmente eram atacados por “demônios”, já que a energia disponibilizada pela solidão ativa primeiro os complexos autônomos do inconsciente. Assim que estes são resolvidos os frutos da solidão passam a ser positivos. Isso fica bem explícito nos diversos contos e casos expostos por Marie Louise Von-Franz (1985, p. 194-195), donde foi extraída a maior parte do presente texto.
A própria autora, motivada por Jung, descreve como fez um experimento consigo mesma, se fechando em uma cabana nas montanhas, na neve. Uma típica introvertida, de início Von Franz (1985, p. 195) se sentiu muito feliz, se ocupando o dia inteiro com a cozinha e com o que iria comer no dia seguinte, o que evitou seu maior contato com o inconsciente. Além disso, ela esquiava, ia uma vez ao dia a uma vila para comprar pão e leite e travar certo contato com as pessoas, o que anulava o efeito do isolamento. Ela então decidiu reforçá-lo: passou a ingerir comida enlatada para não ir à vila, deixou de esquiar e passou a cozinhar rapidamente comidas “sem graça”, como macarrão e algo assim, de modo a não gastar sua energia. O tempo começou a se arrastar muito lentamente, e cada minuto se tornou uma eternidade. A situação foi piorando, mas ela aguentou.
Ocorre que, no dia a dia, as pessoas usam sua energia (a libido) disponível em suas relações com o meio ambiente. Na solidão essa energia, uma vez não empregada, é represada internamente e ativa o inconsciente, reforçando-o. A solidão pode fazer com que o indivíduo tenha seu inconsciente ativado, o que pode ocasionar a possessão por forças nocivas, ou encontre uma realização interior maior. Entretanto, mesmo neste último caso, a tendência é que, de início, haja sempre uma espécie de “possessão pelo mal”. Os que procuravam a santidade no passado inicialmente eram atacados por “demônios”, já que a energia disponibilizada pela solidão ativa primeiro os complexos autônomos do inconsciente. Assim que estes são resolvidos os frutos da solidão passam a ser positivos. Isso fica bem explícito nos diversos contos e casos expostos por Marie Louise Von-Franz (1985, p. 194-195), donde foi extraída a maior parte do presente texto.
A própria autora, motivada por Jung, descreve como fez um experimento consigo mesma, se fechando em uma cabana nas montanhas, na neve. Uma típica introvertida, de início Von Franz (1985, p. 195) se sentiu muito feliz, se ocupando o dia inteiro com a cozinha e com o que iria comer no dia seguinte, o que evitou seu maior contato com o inconsciente. Além disso, ela esquiava, ia uma vez ao dia a uma vila para comprar pão e leite e travar certo contato com as pessoas, o que anulava o efeito do isolamento. Ela então decidiu reforçá-lo: passou a ingerir comida enlatada para não ir à vila, deixou de esquiar e passou a cozinhar rapidamente comidas “sem graça”, como macarrão e algo assim, de modo a não gastar sua energia. O tempo começou a se arrastar muito lentamente, e cada minuto se tornou uma eternidade. A situação foi piorando, mas ela aguentou.
Comecei a imaginar que assaltantes costumavam entrar em tais cabanas, principalmente prisioneiros fugitivos à procura de armas ou roupas civis, caso ainda estivessem com o uniforme listrado. Essa fantasia tomou conta de mim por completo e, sem perceber que era justamente isso o que procurava, fiquei tomada pelo pânico. Peguei o machado de cortar lenha, coloquei-o ao lado da cama e fiquei acordada, tentando decidir se teria coragem de golpear tal homem na cabeça, se ele aparecesse, e, assim, não consegui dormir. Aí tive que ir ao banheiro que ficava fora, na floresta coberta de neve, e no meio da noite vesti as calças de esqui e saí pelo escuro. De repente algo caiu atrás de mim, saí correndo, caí de cara na neve e voltei ofegante. Daí percebi que era apenas um pouco de neve que tinha caído de uma árvore, mas com o coração aos pulos e o machado ao lado da cama, não consegui dormir. Na manhã seguinte achei que bastava e que devia voltar para casa, […] (VON FRANZ, 1985, p. 196)
Marie Louise Von Franz |
Então, de repente, ela percebeu que esse era o efeito que estava procurando: o inconsciente tinha sido ativado com a energia em excesso, soltando seus demônios... Ela resolveu fazer imaginação ativa (o conceito encontra-se em Vocabulário) com o assaltante, uma interação com essa figura interior através da imaginação, e se sentiu completamente bem e segura. Toda vez que a figura surgia em sua imaginação, Von Franz interagia com ela e a paz voltava. Antes de praticar a imaginação ativa, ela estava a caminho de ser sutilmente possuída.
Essa experiência a ensinou que a solidão dá vida ao que existe no inconsciente. E se o indivíduo não souber como lidar com esse material, este surgirá primeiro de forma projetada. No seu caso a projeção veio sob a forma da ideia de um criminoso. Mas se ela estivesse em uma civilização que ainda acreditasse em demônios, ela poderia ter pensado que o Curupira havia chegado, dando nome ao conteúdo inconsciente. A maioria das pessoas não é capaz de lidar com situações desse tipo por muito tempo, recorrendo à companhia de outras para se proteger.
Entretanto, a solidão não apenas constela o mal no interior do indivíduo, como também exteriormente. Quando um indivíduo vive sozinho, distante de uma comunidade humana por muito tempo, as pessoas começam a projetar a sombra delas sobre ele. Mesmo durante viagens prolongadas, quando o laço de afeição e de sentimentos se afrouxa, as pessoas deixadas para trás podem começar a tecer teias das mais incríveis ideias negativas a respeito daquela que as deixou. Porém, quando o que se afastou volta, o contato e o calor humano do momento dissipam essas nuvens de projeção. Assim, quem vive sozinho atrai o mal de sua própria natureza, mas também atrai projeções. Por isso os solitários dão a impressão de serem estranhos e, se ocorre algo desagradável, normalmente se pensava que a culpa era deles. Em tempos antigos isso era muito mais frequente. O estranho era considerado errado e perigoso, trazendo uma atmosfera de doença, de morte e de transtorno nas relações humanas. Por isso era preciso se aproximar dele com várias precauções. Hoje em dia, o indivíduo volta à comunidade e argumenta, se defende ou explica o próprio comportamento, o que dissipa as “nuvens negras”. Mas quando não conseguem compreender alguém, as pessoas projetam seu próprio mal sobre elas (VON FRANZ, 1985, p. 199).
Entretanto, a ativação do inconsciente não depende apenas do isolamento, seja ele físico, psicológico ou espiritual. Certos processos psicológicos podem ativá-lo, o que produz forte impacto na consciência, fazendo o indivíduo se sentir ameaçado ou, no mínimo, desorientado. Em casos mais graves, o inconsciente pode tomar o lugar da realidade, o que é patológico (JUNG, 1991a, §595).
Nesse momento, valem algumas reflexões sobre as implicações dos fatos demonstrados até este ponto. Constatou-se que, quando o inconsciente é ativado pelo isolamento, este ocorre dependendo do grau de isolamento e de represamento da energia à disposição do eu. Entretanto, pode-se imaginar que o inconsciente pode ser mais ou menos intensamente ativado a depender do nível de energia que possui, isto é, se ele já possui uma atividade intensa, um isolamento brando ou por pequeno período poderá fazê-lo mais veemente com relativa facilidade. Isso explica porque as crianças, que já possuem um contato mais direto e vigoroso com o inconsciente, são assaltadas por medos despertados por fantasias, quando ficam por pouco tempo sozinhas. Explica também porque adolescentes e mesmo adultos são assaltados por medos inexplicáveis em determinadas épocas, insistindo em dormir com a luz acesa, principalmente sob isolamento. Nessa categoria de medos irracionais pode-se citar os medos de morte, de acidente, de fantasmas, de criminosos, de manifestações meteorológicas inofensivas, etc.
Por outro lado, é interessante observar como os indivíduos deprimidos insistem, naturalmente, em permanecer solitários. Essa condição apenas faz aumentar os sentimentos de angústia, medo e tristeza intensos que compõem a depressão. A solidão como que amplifica os sintomas, talvez em uma tentativa de intensificá-los para se fazerem notar pelo sujeito, aumentando a consciência da situação interna. Aliás, muitos psicoterapeutas recorrem a técnicas de amplificação de sintomas com o fito de produzir insights curativos. O exemplo mais claro é Mindell (1989), que pede uma descrição pormenorizada do sintoma e procura produzi-lo no cliente com a manipulação corporal deste pelo terapeuta ou por si mesmo.
Tudo na vida possui aspectos positivos e negativos, dependendo da situação, do contexto. Não é diferente com a solidão. Se o estado de alguém é desesperador, é terapêutico se buscar a companhia de outras pessoas, embora possa ainda haver exceções. Já se existe a necessidade de autoconhecimento e de mudança, um período mais ou menos longo de solidão pode fazer muito bem. O Zaratustra de Nietzsche (2010) pode fechar aqui com uma boa reflexão:
Essa experiência a ensinou que a solidão dá vida ao que existe no inconsciente. E se o indivíduo não souber como lidar com esse material, este surgirá primeiro de forma projetada. No seu caso a projeção veio sob a forma da ideia de um criminoso. Mas se ela estivesse em uma civilização que ainda acreditasse em demônios, ela poderia ter pensado que o Curupira havia chegado, dando nome ao conteúdo inconsciente. A maioria das pessoas não é capaz de lidar com situações desse tipo por muito tempo, recorrendo à companhia de outras para se proteger.
Entretanto, a solidão não apenas constela o mal no interior do indivíduo, como também exteriormente. Quando um indivíduo vive sozinho, distante de uma comunidade humana por muito tempo, as pessoas começam a projetar a sombra delas sobre ele. Mesmo durante viagens prolongadas, quando o laço de afeição e de sentimentos se afrouxa, as pessoas deixadas para trás podem começar a tecer teias das mais incríveis ideias negativas a respeito daquela que as deixou. Porém, quando o que se afastou volta, o contato e o calor humano do momento dissipam essas nuvens de projeção. Assim, quem vive sozinho atrai o mal de sua própria natureza, mas também atrai projeções. Por isso os solitários dão a impressão de serem estranhos e, se ocorre algo desagradável, normalmente se pensava que a culpa era deles. Em tempos antigos isso era muito mais frequente. O estranho era considerado errado e perigoso, trazendo uma atmosfera de doença, de morte e de transtorno nas relações humanas. Por isso era preciso se aproximar dele com várias precauções. Hoje em dia, o indivíduo volta à comunidade e argumenta, se defende ou explica o próprio comportamento, o que dissipa as “nuvens negras”. Mas quando não conseguem compreender alguém, as pessoas projetam seu próprio mal sobre elas (VON FRANZ, 1985, p. 199).
Entretanto, a ativação do inconsciente não depende apenas do isolamento, seja ele físico, psicológico ou espiritual. Certos processos psicológicos podem ativá-lo, o que produz forte impacto na consciência, fazendo o indivíduo se sentir ameaçado ou, no mínimo, desorientado. Em casos mais graves, o inconsciente pode tomar o lugar da realidade, o que é patológico (JUNG, 1991a, §595).
Nesse momento, valem algumas reflexões sobre as implicações dos fatos demonstrados até este ponto. Constatou-se que, quando o inconsciente é ativado pelo isolamento, este ocorre dependendo do grau de isolamento e de represamento da energia à disposição do eu. Entretanto, pode-se imaginar que o inconsciente pode ser mais ou menos intensamente ativado a depender do nível de energia que possui, isto é, se ele já possui uma atividade intensa, um isolamento brando ou por pequeno período poderá fazê-lo mais veemente com relativa facilidade. Isso explica porque as crianças, que já possuem um contato mais direto e vigoroso com o inconsciente, são assaltadas por medos despertados por fantasias, quando ficam por pouco tempo sozinhas. Explica também porque adolescentes e mesmo adultos são assaltados por medos inexplicáveis em determinadas épocas, insistindo em dormir com a luz acesa, principalmente sob isolamento. Nessa categoria de medos irracionais pode-se citar os medos de morte, de acidente, de fantasmas, de criminosos, de manifestações meteorológicas inofensivas, etc.
Por outro lado, é interessante observar como os indivíduos deprimidos insistem, naturalmente, em permanecer solitários. Essa condição apenas faz aumentar os sentimentos de angústia, medo e tristeza intensos que compõem a depressão. A solidão como que amplifica os sintomas, talvez em uma tentativa de intensificá-los para se fazerem notar pelo sujeito, aumentando a consciência da situação interna. Aliás, muitos psicoterapeutas recorrem a técnicas de amplificação de sintomas com o fito de produzir insights curativos. O exemplo mais claro é Mindell (1989), que pede uma descrição pormenorizada do sintoma e procura produzi-lo no cliente com a manipulação corporal deste pelo terapeuta ou por si mesmo.
Tudo na vida possui aspectos positivos e negativos, dependendo da situação, do contexto. Não é diferente com a solidão. Se o estado de alguém é desesperador, é terapêutico se buscar a companhia de outras pessoas, embora possa ainda haver exceções. Já se existe a necessidade de autoconhecimento e de mudança, um período mais ou menos longo de solidão pode fazer muito bem. O Zaratustra de Nietzsche (2010) pode fechar aqui com uma boa reflexão:
Solitário, tu segues o caminho que leva a ti próprio! E teu caminho passa diante de ti e de teus sete demônios.
Serás herege para ti mesmo, serás feiticeiro, adivinho, louco, incrédulo, ímpio e malvado.
É mister que queiras consumir-te em tua própria chama. Como renascerias, se ainda não te reduziste em cinzas?
Solitário, segues o caminho do criador: um deus queres criar de teus sete demônios!
(Leia mais a respeito: "Coringa - somos todos insanos em potencial", "Imaginação ativa ou terapia com o Sr. Inconsciente", "Os três níveis de consciência", "Deus - uma biografia psicológica pessoal", "O belo, o feio, Deus e o preconceito", "Por que não consigo mudar?", "O Gênesis e o desenvolvimento psicológico do homem")
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