Sempre me intrigou o fato de o senso comum, ou a tradição popular, alegar que, ao se sonhar com uma pessoa, outra acaba morrendo. Estudo os sonhos há mais de 20 anos, mas até hoje não encontrei resposta satisfatória para esta e várias outras questões envolvendo sonhos. Mas uma boa conversa, há pouco mais de um ano, me deu uma pista dos caminhos que nossa psique traça para tecer o sentido do destino.
Um amigo relatou que sonhara com a morte do seu tio paraplégico. Então comentou que quem viera falecer, na verdade, fora outra pessoa, no caso, sua ex-esposa, como costuma ocorrer quando se sonha com a morte de alguém. Normalmente, nesses casos em que não se sabe a conexão, ou não se tem ciência do significado do sonho, muito provavelmente este acaba sendo encontrado oculto no inconsciente do sonhador. Investiguei com ele sobre o seu tio. Disse que este procura ser independente das pessoas, fazer tudo por conta própria, apesar das sérias limitações de sua paraplegia. Por outro lado, sua ex-esposa revelava ser uma personalidade totalmente oposta à dele, uma vez que procurava se identificar com as suas limitações psicológicas, tornando-se totalmente dependente das outras pessoas. Era uma pessoa cheia de conflitos, que usava de chantagens emocionais para com o sonhador, e era deprimida, recorrendo a medicamentos psiquiátricos. Acreditava que ela suicidara com tais remédios.
Interessante aqui é que geralmente não encontramos evidências claras do sentido dos sonhos porque esperamos encontrar o vínculo dos fatos ou ideias na aparência dos acontecimentos. A psicologia, no entanto, procedendo à investigação científica do mundo psíquico, descobriu que os sonhos são como estórias que narram o que acontece interiormente com os sujeitos, em seu inconsciente. E sua linguagem sempre se revela muito clara e coerente quando procedemos aos métodos de trabalho com sonhos e conseguimos a descoberta do sentido oculto. O mesmo ocorre no presente caso.
Em outra ocasião, uma senhora residente no japão alegou não entender o que um sonho dizia, embora soubesse que continha uma mensagem oculta. Uma semana antes do acidente de moto que ceifaria a vida do filho, ela sonhara que estava em um salão enfeitado com cortinas negras, onde havia uma mesa com forro negro, e um vaso de lírio sobre ela. Era a formatura escolar de seu filho. Como somos ignorantes hoje em dia com relação à linguagem simbólica! Esta é uma linguagem universal, encontrada nas canções, nas poesias, nos hinos, na Bíblia, nos mitos, nas mais diversas culturas, em nossos próprios sonhos. Porém, a ignoramos. O sonho avisou a mãe que em breve ocorreria a formatura do filho. Ele iria formar-se na "escola da vida" (esta é a metáfora coletiva mais próxima que achei para expressar o que o sonho parecia querer transmitir ao seu ego). Os símbolos do sonho expressavam esse alerta. Talvez tenham atuado como consolo, ainda que não tenha captado a mensagem conscientemente. É provável que seu inconsciente havia captado certos sinais, não percebidos conscientemente, de que estava em processo um encadeamento de eventos que resultaria na morte do filho. O mesmo teria ocorrido no sonho analisado antes.
Esses dois casos revelam o quanto ainda ignoramos certos processos simples e corriqueiros de nossa psique. A ciência avançou muito em certos campos, e até no aspecto material dos sonhos, mas insiste em não pesquisar e em ignorar certos fenômenos empíricos relacionados a eles. A linguagem simbólica é desprezada em favor da científica, por causa de sua inexatidão e inadequação aos métodos técnicos. Isso é óbvio, uma vez que ela se volta para a interioridade dos indivíduos, da qual ficamos cada vez mais distantes. É hora de crescer menos para fora e amadurecer por dentro.
(Leia mais a respeito: "Previsão de fatos, contextos e ideias irracionais", "A ampliação da consciência humana", "O sentido das admiráveis coincidências", "Morte, sonho e sincronicidade")
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