domingo, 16 de março de 2014

A verdadeira atitude científica

     A psicologia pode ajudar muito na construção de uma atitude mais científica frente às pesquisas. Isso porque ela é a ciência que estuda o comportamento humano, assim como o que está por trás deste, isto é, sua subjetividade, sua psique.
Esquema das funções da consciência
     Segundo Jung (1991a), possuímos quatro funções que orientam nossa consciência: a sensação, a intuição, o pensamento e o sentimento. A sensação nos transmite a existência do objeto pelos cinco sentidos, assim como as impressões corporais que temos como reação a eles, de maneira detalhada, objetiva e atual. A intuição, oposta à sensação, combina todas as sensações, ideias e sentimentos para nos passar as possibilidades de conexão do objeto, combinando-os em um produto criativo, imaginativo e/ou fantasioso que servirá à resolução de problemas e à criatividade humana, abrindo perspectivas futuras e passadas, atendo-se ao sentido de totalidade, de perspectiva geral. A função pensamento, conhecida como intelecto, fornece um conceito para o objeto, através de ideias associativas conhecidas em relação a outros objetos, para que se possa conhecê-lo intelectualmente. Para isso o pensamento procura se distanciar emocionalmente do objeto, caso contrário esse processo conceitual não será isento, objetivo, mas parcial, relacionado com o sujeito. A função sentimento faz justamente isso: conecta o indivíduo ao objeto, envolve-os de forma a transmitir o  valor deste àquele, isto é, se o objeto é agradável ou desagradável, bom ou mau, belo ou feio, etc., assumindo uma escala de valores do negativo ao positivo e vice-versa, que guiará o indivíduo na sua relação com o objeto. Essas quatro funções podem operar ao nível do mundo exterior ao indivíduo, de forma extrovertida, ou ao nível interno e subjetivo, introvertidamente. A tendência ao emprego constante de apenas uma função da consciência leva à classificação dos indivíduos em tipos psicológicos, de acordo com a função empregada e com a respectiva atitude. Surgem aí os oito tipos: pensamento, sentimento, intuição e sensação introvertidos e extrovertidos.
A oposição entre sentimento e pensamento
em detrimento de uma ciência mais ética
     Percebe-se claramente quais as funções mais utilizadas pela ciência. Primordialmente, o pensamento, com sua exaltação da isenção e distanciamento intelectual do objeto, juntamente com a sensação, que exacerba ainda mais o sentido de objetividade e atualidade do objeto. Ocorre que a especialização e a ênfase apenas nessas duas funções provoca uma parcialidade de perspectiva, ainda não percebida, ainda atualmente, pela maioria dos pesquisadores e cientistas. É claro que seu desenvolvimento provocou um salto tecnológico jamais visto antes na história da humanidade. Entretanto, esse “salto” não acompanhou uma evolução semelhante das funções sentimento e intuição, que se tornaram primitivas e inferiores, comparadas às primeiras, não se sabe em que extensão mundial. Logo, o homem perdeu sua fonte de valores, que poderia guiá-lo no enquadramento dessa tecnologia e seu consumo na dimensão ética, isto é, no “como” e no “para que” inserir certos produtos tecnológicos na sociedade; e perdeu também a perspectiva de futuro em relação ao seu uso, assim como a dimensão de totalidade social e abrangência do consumo tecnológico. Assim, percebe-se aqui uma alternativa de explicação, e por que não um entendimento a mais, à perspectiva marxista em relação à desigualdade social.
Albert Einstein tinha a vantagem de ter desenvolvido,
ao lado do pensamento, também a intuição. Por isso,
revolucionou o pensamento científico.
     As funções da consciência servem ao homem na orientação de sua vida. Porém, infelizmente, ele está longe de saber equilibrá-las, de aplicá-las conjuntamente ou nas situações adequadas. Agindo assim, torna-se menos humano. Aquele que se especializa no intelecto, por exemplo, tenderá a utilizá-lo sempre, em toda parte e em toda situação, indiscriminadamente, agindo como um típico intelectual (ou, como se diz em psicologia, um tipo pensamento) inclusive nas festas, nos velórios, no casamento, na vida espiritual e no relacionamento com os filhos. Ele não consegue sentir determinado sentimento no momento adequado, pois sua função sentimento é subdesenvolvida. Aprendeu que ela é uma ameaça para si, e que pode desenvolver relacionamentos baseado simplesmente em explicações e ideias, pois isso é mais “racional”. Mal sabe que o sentimento também tem sua racionalidade e motivos igualmente válidos, e que, por isso, não sabe como rebater seu cônjuge, pois enbaraça-se, e este não consegue se colocar na sua posição, uma vez que tende a se utilizar da função oposta, o que configurou a atração do casal. Existem fartos exemplos de gênios científicos que eram verdadeiros fracassos como pais e mães, e que se orgulhavam de ter um guarda-roupa uniforme para não terem que perder tempo ao sair... Pois é, guarda-roupa uniforme é um clássico exemplo de reprimir o exercício com os sentimentos.
Ora, o verdadeiro cientista não deveria reprimir a função sentimento ao trabalhar em seu projeto ou laboratório. Bastaria deixá-la de lado naquele momento, para voltar a utilizá-la em reuniões com colegas de trabalho, com amigos e em casa. Mas nada mais fácil e simples que usar-se de uma panaceia, isto é, o emprego de sua função intelectual em todos os momentos e lugares, algo nada científico... 
A exclusão de funções da consciência corresponde
à exclusão social e acadêmica dos
tipos psicológicos correspondentes.
     A operação consciente apenas na função pensamento também pode provocar a exclusão de fenômenos “irracionais”, justamente aqueles que não podem ser explicados pela ótica das formulações teóricas vigentes. Com a contribuição da função sentimento, a função da formação de valores, essa exclusão dificilmente ocorreria, uma vez que haveria o reconhecimento do sentimento de repulsa pelo objeto excluído, o que equilibraria a atitude unilateral. Entretanto, percebe-se, há muito tempo, que os meios científicos são dominados por atitudes intelectuais unilaterais e redutivas. Manter o sentimento e a intuição trancafiados internamente é um comportamento tão fanático quanto o religioso que foge do ensino superior por medo de render-se à racionalidade e ao “rebanho do diabo”.
     A verdadeira atitude científica deveria procurar agregar todas as quatro funções da consciência. Individualmente, é muito difícil desenvolvê-las, pois corresponde a um trabalho de uma vida inteira. No entanto, pode ser feito um esforço para se conscientizar as pessoas da importância de sua variedade, o que, pelo menos, evitaria o emprego “fanático”, preconcebido e estereotipado de apenas uma função. Além disso, a composição de equipes de diferentes tipos psicológicos tende a abordar qualquer objeto de investigação científica de maneira mais plural, contribuindo para o estudo sob diferentes perspectivas e com reduzido preconceito. Assim, poder-se-ia atestar uma ciência verdadeiramente imparcial e ética, que contribui não apenas para o conforto e para a saúde, mas também para o campo social e espiritual da humanidade.

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