A estrutura psíquica pode ser comparada a um grande conjunto de esferas de diferentes tamanhos. Estas esferas seriam o agrupamento de pensamentos, lembranças, imagens e diversas outras impressões atraídas mutuamente e para seu núcleo pelo grau de força das emoções correspondentes. Todas essas esferas se encontram em um meio escuro e indefinido, e o constituem ao mesmo tempo, de modo a deixar suas superfícies vagas e indefinidas. Esse estado das esferas chama-se “inconsciente”. O núcleo dessas esferas atrai seus elementos de acordo com o seu tema específico: a mãe, o pai, a criança, o herói, etc. Entretanto, todas as esferas, por sua vez, seriam atraídas para um núcleo maior e formariam uma esfera maior em seu conjunto. O tema desse centro abrange todos os outros temas, pois todos eles formam uma referência, enquanto centros menores, ao centro do conjunto de esferas, que tem maior poder de atração e regulação de toda a estrutura psíquica. Esse centro magno virtual constitui o maior e mais abrangente arquétipo (como são designados todos os centros esféricos). Como centro magno, esse arquétipo abarca também a superfície total, pois acaba sendo autorreferente. O entorno das esferas forma um entrelaçado de fatores chamado complexo.
Na estrutura psíquica global, chamada simplesmente de psique, pode-se diferenciar a maior ou menor proximidade de todos os complexos em relação ao Si-mesmo. A superfície da grande esfera psíquica constitui o limite em relação ao mundo exterior e, devido a isso, acaba desenvolvendo uma certa consistência, ou tensão superficial, à medida em que a criança se desenvolve, que consiste na troca de impressões, na adaptação e na proteção do sistema psíquico em relação ao meio externo. Essa estrutura chama-se persona.
Ocorre que certos temas fazem referência à identidade e a características pessoais do sistema psíquico, e são atraídos principalmente pela força de gravidade do corpo físico individual. Pode-se dizer que esses conteúdos são como pequenas esferas que, como bolhas de sabão, com o tempo se juntam e formam uma bola maior, que mais tarde será chamada de “Eu”. Pode-se afirmar que, quanto mais próximas à esfera egoica, mais definidas se tornam as outras esferas, que se tornam suscetíveis de serem conhecidas pelo Eu e, a partir disso, serem também manipuladas por ele, se transformando e se redefinindo.
À medida que o bebê interage com o meio circundante, ele vai memorizando as diversas imagens obtidas do mundo exterior. Apesar do nome “imagem” se referir às impressões obtidas a partir dos olhos, aqui o termo é usado de forma mais ampla, e engloba todas as impressões de todos os sentidos sobre certo objeto. Muitas dessas imagens são percebidas de novo e de novo, formando uma rotina de impressões. Muitas necessidades do bebê começam então a se vincular a essas imagens internalizadas que se referem às respectivas pessoas e objetos do mundo exterior. Internamente, aos poucos, elas vão se agrupando ao redor dos diversos temas, ou arquétipos, formando complexos, que serão maiores ou menores, ganhando mais ou menos energia, na medida em que vinculam emoções fracas ou intensas, impressões mais ou menos veementes.
Existe um complexo, em particular, que é formado a partir das impressões relativas ao próprio indivíduo que percebe. Ele reúne elementos relacionados à identidade do indivíduo, que integrarão a sua personalidade consciente, tais como o nome, seu endereço, seus pais, seu grau de estudo, seu próprio comportamento e habilidades, etc., enfim, as lembranças de tudo o que faz o indivíduo ser quem é. Esse complexo é chamado de “complexo do ego”.
A percepção inicial e simples dos sentidos do sujeito acaba se diferenciando e adquirindo sutilidades. Uma dessas consiste na discriminação entre meio interno e meio externo. Devido, sobretudo, à resistência do mundo exterior às demandas do bebê (seus movimentos, suas necessidades, etc.), este aprende a notar que tudo o que se encontra aquém do limite do seu corpo é distinto do que se encontra além, pois o desejo de se movimentar vem de si mesmo. A percepção em si é auto e extra-referente: existe alguém que percebe e algo que é percebido. Por extensão, aquele que percebe é interno, em oposição ao externo. À medida em que essa percepção também se dirige ao mundo interno, ela se identifica com seus próprios aspectos internos que têm a ver, principalmente, com a identidade do indivíduo (o complexo do ego), pois estes fazem parte do sistema psíquico que percebe.
Enquanto o sujeito é tão somente aceito, ele não percebe nenhuma diferença entre si e o meio externo, já que existe aí uma continuidade entre aquele que deseja e aquele que satisfaz o desejo, entre o solicitante e o objeto solicitado. A negação desse objeto é que separa essa continuidade entre o eu que quer, mas cuja satisfação é negada, e aquele que nega essa satisfação. Ocorre a consciência, então, do eu e do outro que nega, do eu e do objeto por hora inalcançável, desejável. O sujeito percebe que, apesar de continuar mirando o que é desejado, não pode se satisfazer devido à negação. Isso forma uma tensão polar tipo sujeito/objeto desejado. Aquele pode tentar alcançar o objeto de várias outras formas, inclusive sem a presença daquele que o negou. Então o sujeito percebe as consequências do seu feito, que pode ser uma punição – da cara feia até um tapinha, ou mesmo nenhuma reação daquele que se interpôs. Nesse ínterim, e com base também nas expressões das pessoas que nem sempre demonstram ser o que são, o pequeno sujeito elabora uma espécie de “película” psíquica ao redor da sua psique consciente que forma diferentes expressões, na maioria das vezes incongruentes com a totalidade do seu ser. Essa “película” é a persona, que tem o papel também de “filtrar” as impressões recebidas, de forma que se adaptem ao sujeito, mas que acaba filtrando também sua personalidade genuína em relação ao mundo exterior, para que não acabe sempre se frustrando com o que deseja.
Entretanto, é preciso diferenciar a estrutura egoica para fazer justiça, por exemplo, à filosofia oriental, que prega a negação ou morte do ego para que os indivíduos alcancem um estado duradouro de beatitude, ou iluminação. Para isso, pode-se imaginar o ego como uma espécie de foco de luz, que parte do Si-mesmo, e que ilumina a superfície da psique. Essa luz tem a função de gerenciar a troca de impressões do meio interno com o meio externo e vice-versa, de forma consciente, adaptada, para integração do indivíduo e do mundo reciprocamente. Fugindo um pouco da teoria junguiana, que percebe esse ponto focal de consciência simultaneamente como ego, pode-se pensá-lo, de início, como um feixe de luz totalmente atrelado ao processo de construção do complexo do ego, este teria um papel importantíssimo de delimitar esse foco. Entretanto, como o complexo do ego contém características de identidade, que é relativa à percepção a partir do indivíduo para o mundo externo, o feixe de consciência acaba se apegando e se confundindo com o complexo do ego, transformando-se em “foco” de luz consciente. Então o ponto focal, uma vez mais ou menos delimitado, pode se chamar de “eu”.
Esse modo de explicar a construção complexo do ego/foco da consciência acaba por integrar a psicologia junguiana à filosofia budista e oriental como um todo, que prega a “morte” do ego como objetivo da realização do sujeito. Jung discordava desse pensamento porque via o ego como aquela entidade necessária à percepção e à autonomia frente ao mundo. Quem iria “matar” o ego, seria o próprio ego, o que seria impossível. Entretanto, as duas correntes de pensamento podem ser integradas se se diferenciar o ego – ponto focal da consciência, do complexo do ego. O que morreria para os orientais seria o complexo do ego e não o ponto focal de consciência, a partir do qual o indivíduo se torna um sujeito no mundo.
Com a maturidade, a diferenciação ego/complexo do ego, hipoteticamente, evitaria uma identificação total e constante do foco de luz consciente com o complexo egoico. Isso estabilizaria de tal forma o Eu que poderia impedi-lo de ser engolfado pelo inconsciente em situações muito difíceis da vida, pois isso só poderia ocorrer em relação ao complexo do ego. É claro que essa seria uma situação ideal, cujo alcance dificultaria ao homem ficar psicopatologicamente enfermo. Mas daria ao ego uma extrema autonomia, e ao mesmo tempo o subordinaria inteiramente ao Si-mesmo, como instrumento da consciência, de adaptação ao mundo. Seria a “iluminação”, nirvana ou samadhi oriental. O homem teria alcançado o estado paradisíaco infantil inicial sem, no entanto, inflar-se pela identificação com o arquétipo do Si-mesmo.
(Leia mais a respeito: "A origem e a natureza do Eu")
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