segunda-feira, 21 de abril de 2014

Cinema ou instituição para tratar a psique coletiva


O teatro como "instituição para
tratamento público de complexos"
     Jung (1989, §48) chamou o teatro de “instituição para o tratamento público de complexos”. Ele explicou que o prazer que se sente com a comédia, com uma história dramática com final feliz ou com uma tragédia se deve à identificação de complexos pessoais com os da peça. Com relação à tragédia, tem-se a sensação terrível e benéfica de se presenciar a ocorrência com o outro daquilo que nos ameaça. Essa identificação também ocorre com outras produções como o cinema e a novela. Essa identificação pode chegar a tal ponto que fortes complexos podem ser trabalhados em psicoterapia, por meio de filmes especialmente indicados para tal. E já se criou até um nome para uma espécie de terapia que usa enfaticamente as produções cinematográficas: a “cinematerapia”.
     Um filme pode aludir a possíveis soluções de problemas psíquicos e pode também questionar preconceitos, pontos de vista e convicções fortemente arraigadas. Os filmes podem falar poeticamente à alma e ao inconsciente, sem que o cliente tenha noção inteiramente consciente do que está sendo tratado, abreviando a terapia, sobretudo devido à amplificação de temas já tratados ou ainda por se discutir nas sessões. Uma novela ou filme que toca um complexo pode ter um efeito particularmente intenso no espectador, de forma a produzir emoções nomeadas popularmente de “positivas” ou “negativas”, cujas ocorrências associadas podem ser analisadas em terapia.
"Star Wars" foi escrito com base em
conceitos como o "inconsciente coletivo"
     Ora, os filmes que afetam positiva ou negativamente uma pessoa, de forma mais ou menos intensa, como já exposto, o fazem porque representam aspectos que possuem fortes conexões com seus complexos, ensejando sua identificação com personagens e situações. Se um certo filme impressiona muitas pessoas, isso se deve ao fato de ele refletir os complexos dessas pessoas, desde pequenos grupos, até nações inteiras. Assim, complexos coletivos, pertencentes a vários países, podem ser ativados por determinados filmes, mobilizando as massas, como ocorreu com produções como “Guerra nas estrelas”, “O senhor dos anéis”, “Avatar”, “Titanic”, etc. A análise dos filmes de maior bilheteria, que devem seu sucesso principalmente ao seu roteiro e à elaboração dos personagens, pode fornecer um diagnóstico mais ou menos preciso dos complexos mais mobilizados no inconsciente coletivo à época de seu lançamento. A energia psíquica está atrelada a esses complexos, e esse diagnóstico pode explicitar facilmente o caminho que ela está tomando e, pelo menos teoricamente, pode tornar claro para qual meta está se desenvolvendo, assim como os obstáculos desse destino. 
     O homem possui hoje em dia meios para prever coletivamente seu comportamento, assim como recursos para tratamento em massa das pessoas. Esses expedientes podem ser usados com maestria para um verdadeiro salto evolutivo de consciência, o que vem sucedendo sofregamente, ao contrário do que ocorre com o desenvolvimento tecnológico. Infelizmente, percebe-se, por meio de diversas leituras, que a humanidade se encontra em um estágio evolutivo de consciência, no sentido de uma integração maior à totalidade psíquica, semelhante à que havia há mais ou menos 2000 anos. Apenas um “verniz tecnológico” parece encobrir o estágio precário do inconsciente coletivo, fornecendo a aparência altamente civilizada que parece iludir a todos. Infelizmente o homem parece estar se desfazendo cada vez mais da linguagem simbólica, que poderia aproximá-lo o suficiente dos instintos vitais para que retornasse aos rumos de um verdadeiro crescimento psicológico saudável. A maioria dos filmes parece indicar esses caminhos: basta atentar a eles.
A comoção por combates corpo a corpo é semelhante
 à que havia por duelos romanos há 2000 anos
Referências
JUNG, Carl Gustav. Símbolos da transformação. Petrópolis: Vozes, 1989. v. V.

Leia mais a respeito:
"Alice no inconsciente coletivo" - 1ª Parte - 2ª Parte

2 comentários:

  1. Sim e Não. E não por invalidar a uma terapia fora do consultório. Porque pode se resvalar para um controle de massa, até partindo de um ponto único. Como o mostrado e "Laranja Mecânica". Claro que é um exemplo forte, mas que ilustra bem.

    Agora, tendo alguém com conhecimentos até da linha tênue que teria em mãos, é sim de grande valia para captar certos sinais sintomáticos ou não. Sendo da área psíquica ou mesmo um Professor em Sala de Aula. E nesse caso, sendo no Ensino Fundamental ajudaria a muitos. Como por exemplo dentro do tema Bullying: quem pratica e quem sofre.

    Parabéns pelo artigo! Até em divulgar mais um ferramental!

    Acho que não se importa em compartilhar...levando para o blog de cinema.

    Saudações cinéfilas!

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  2. Bem a intenção é perceber o cinema como também uma "instituição para tratamento de complexos". É uma das possibilidades e uma visão psicológica. Pode sim ser usado como controle de massa, mas esse controle só vai se concretizar se a população estiver preparada para isso, se o "zeitgeist" for propício.

    Mas sua ponderação é totalmente válida! Valeu acrescentar a ressalva!

    O texto está aqui para ser compartilhado. Obrigado!

    Cinéfilas saudações!

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